Vivemos atualmente sob
uma nova forma de ditadura, uma ditadura velada que se reveste falsamente de
bom senso: O POLITICAMENTE-CORRETO. Ela se espalha por todos os setores da
cultura e da sociedade, proibindo a livre expressão e limitando as artes. Hoje,
por exemplo, contar piadas sobre minorias é politicamente incorreto. Assim,
piadas sobre judeus, negros ou mesmo homossexuais aparecem como de mau gosto ou
proveniente de pessoas preconceituosas. Estas mesmas pessoas, que defendem o
Politicamente-Correto no humor, esquecem que muitas piadas sobre judeus, sobre
negros e homossexuais são criadas e contadas por eles próprios, sem nenhuma
cerimônia ou pudor.
E um dos setores que tem
sofrido bastante com isso é a literatura. Recentemente o livro “As Caçadas de
Pedrinho” de Monteiro Lobato foi posto no rol dos livros politicamente
incorretos. Este livro foi acusado de ser racista por conter a seguinte frase:
“E tia Anastácia (...) trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro.” Seus
algozes não veem que o livro sendo um livro infantil possui expressões
infantis, e que a livre associação é uma das características do pensamento das
crianças, logo a comparação de Tia Anastácia com um animal e com a cor do
carvão é tão ingênuo e isento de maldades como o pensamento infantil pode ser,
ou pelo menos como quer o texto. Ademais, o próprio Monteiro Lobato, em outra
parte de seu livro, define Tia Anastácia como uma "BOA PESSOA".
E quando não proíbem a obra em nome do
Politicamente-Correto, fazem o pior mechem em seu conteúdo, em seu texto, como
aconteceu com o mais famoso trabalho da escritora inglesa Agatha Christie,
"O Caso Dos Dez Negrinhos", que teve seu título mudado, no Brasil,
para "E Não Sobrou Nenhum". E o pior é que a obra não possui nenhum
teor racista. Seu título original, "Ten Little Niggers", que em
português significa "Os Dez Negrinhos", diz respeito a uma velha
canção infantil inglesa, em que cada negrinho tem uma morte diferente - e que
na tradução brasileira é mudado para Os Dez Soldadinhos -, que é importante
para sua estória já que cada personagem do romance policial terá mortes iguais
descritas pela canção.
E para você vê como a
coisa está feia até mesmo eu, um desconhecido com um texto simplório e
inexpressivo, fui vítima de tal ardiloso movimento. Veja o texto:
É TODO SEU
- Venha cá, criança, chegue mais perto,
minha pequena... Quero-lhe mostrar algo que você irá gostar; venha, não tema.
Olhe.
- Tio é tão grande!
- E é todo seu. Vamos,
pegue, pegue logo.
- Mas tio está tão
melado!
- Vamos, pegue logo antes
que amoleça... Devagar, com cuidado, antes que sua tia nos veja. Vamos, ponha
na boca agora.
- Tio é tão grande para
minha boquinha!
- Então não chupe, apenas
lamba. Isso, do começo ao fim. Assim... assim... assim...
- Veja tio, tia Lúcia
está vindo.
- Rápido, se esconda, se
esconda...
- Não acredito, João, que
estás dando novamente sorvete para esta menina gripada!!!
Ao mostrar este pequeno
conto para algumas pessoas me surpreendeu que em vez de risos, o que, aliás,
era o objetivo dele, recebi indignação por parte de algumas. Uma pessoa, por
exemplo, me repreendeu por eu usar um tema tão hediondo como a pedofilia; se
recusou até a continuar a lê-lo. Eu a adverti que se ela lesse até o final
veria que o conto não tem nenhuma maldade e que muito menos é um conto
pedófilo. Ela, de sua parte, disse-me que não lê-lo era um direito dela. O que
eu respondi dizendo-lhe que claro que era um direito dela, assim como também
era um direito meu não ter minhas palavras distorcidas pelos preconceitos dela.
Pois é, o conto não é o
que aparenta ser, e isso é o grande barato dele: ele manipula a mente do
leitor, conduzindo-o a pensar que seu tema é o abuso de uma criança por um
adulto, tema bastante explorado pelos programas policiais, causando asco no
leitor, para no final surpreendê-lo e, por isso mesmo, causando riso, ao
fazê-lo perceber que ele foi enganado, que seu tema é tão diferente do que ele
pensava, e que o asco e a maldade estavam apenas em sua mente, fora mera interpretação
sua.
Se eu apresentasse este
conto há alguns anos trás é bem provável que ele não causasse indignação mas
apenas risos. E o pior de tudo é que eu fiquei com fama de ser pedófilo,
provocando em mim até mesmo receio de ser tratado como tal, com ofensas e
violência. E isto se deve ao fato de que o Politicamente-Correto unido a falta
do gosto pela leitura torna-se muito mais perigoso, pois as pessoas que mais se
indignaram com o conto eram aquelas que aparentavam não ter o hábito da
leitura, e que, por isso mesmo, confundiam mais facilmente a obra com o autor,
desconhecendo o que é ficção literária, achando que o escritor pratica o que
escreve, que sua obra é fruto direto de sua experiência, de sua vida, não
conseguindo perceber que o grande barato da literatura é criar um mundo novo
apenas com o poder da imaginação, e que para isso a literatura precisa de
liberdade, de extrema liberdade de expressão.
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