segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

UM CONTO DE NATAL (de Bosco Silva)



Agrada-me, em noites de natal, andar sob árvores adornadas com pequenas luzes coloridas que, na maior parte das vezes, transmitem sempre alguma harmonia. Gosto também de caminhar nas praças e ouvir os corais cantando antigas canções de natal.
E assim, disposto a deixar-me envolver mais uma vez por este clima de luzes coloridas e antigas canções natalinas, parei por alguns minutos em uma mesa de bar ao ar livre, enfrente de uma praça; observava calmamente a paisagem quando, inesperadamente, um travesti subiu a calçada, vindo em minha direção. Ele, vestido a caráter, com uma pequena blusa e minissaia vermelhas e um gorro de papai-noel, caminhava com a boca aberta apontando com o indicador direito para a mesma. Pôs-se de pé a apoiar-se com as mãos na borda da mesa onde eu estava. Gesticulava e tentava respirar.
Nesse instante, tomado pelo solidário espírito de natal, levantei-me, contornei-o e abracei-o por trás, apertando seu abdome, comprimindo-o em direção a mim, tentava fazê-lo soltar o que havia lhe engasgado. Uma, duas, três vezes, repetidamente... Até que observei a pequena multidão que se formou ao redor de nós. Alguns gritavam “há lugar para isso, seu tarado!”, enquanto outros diziam “paga motel, sua bicha!”. Nesse momento, envergonhado, volto a sentar-me na cadeira; é quando o travesti desmaia, ajoelhado, com a boca sobre meu colo. Ao mesmo tempo, dois guardas sobem a calçada em nossa direção, esbravejando:
- Então é verdade: atentado ao pudor em pleno natal! Você não se envergonha, seu tarado?!
- Não é bem isso, seu policial. O rapaz aqui desmaiou após engasgar-se com algo.
O travesti, nesse instante, acorda. Peço-lhe que explique o ocorrido. Ele, atordoado, levanta-se e, inesperadamente, tira uma camisinha usada da boca, botando-a sobre a mesa.
- Então ele se engasgou com algo, hein? - disse o policial com o cassetete nas mãos. - É, sei bem com o que, seu tarado! Vamos, os dois já para a...
Corro em disparada, seguido pelos guardas, e pelo travesti, que me cobra por um programa que não existiu; e também pela multidão enfurecida, gritando, repetidamente: “bicha, bicha, bicha”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Poderá também gostar de:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...